PICS e MI
No decorrer dos últimos anos, observa-se um significativo movimento da população mundial em busca de tratamentos integrativos e complementares para lidar com diversas questões relacionadas à saúde.
Em 2020, uma pesquisa inédita desenvolvida pela Fundação Oswaldo Cruz, em parceria com a Faculdade de Medicina de Petrópolis, chegou à conclusão de que 61,7% da população brasileira recorreu a alguma das PICS (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde) oferecidas pelo SUS (Sistema Único de Saúde). Realizada no primeiro ano da pandemia do novo coronavírus, a pesquisa ainda mostrou que a maior procura foi por fitoterapia e meditação por pessoas acima dos 40 anos e com formação universitária.
A pesquisa ilustra o que vem acontecendo nas últimas décadas: uma demanda crescente da população por terapias em que o paciente é considerado em sua integralidade, e que não sejam apenas a sua doença e os seus sintomas.
Contexto da Medicina Integrativa
A Medicina Integrativa (MI) considera o indivíduo em toda sua integralidade. Isto é, as terapias da MI tratam o paciente como um indivíduo único e complexo, dando igual importância ao seu corpo, à sua mente e à sua espiritualidade.
Muito mais do que suas características biológicas, a prática da MI reconhece que cada indivíduo pode ser afetado também por suas condições emocionais, culturais e sociais. Assim, avaliando cada particularidade do paciente e baseando-se sempre em evidências científicas, o profissional indicará tratamentos interdisciplinares que complementem o tratamento convencional do mesmo.
Enquanto a Medicina Convencional tem como foco o tratamento de uma doença específica, utilizando-se recorrentemente da indústria farmacêutica e de cirurgias realizadas com alta tecnologia, a Medicina Integrativa tem como objetivo preservar a saúde e o autocuidado, além de tratar o paciente de maneira total.
A visão da Medicina Integrativa pela SBSI é de que as diversas terapias disponíveis não visam substituir, mas complementar o tratamento convencional com uma abordagem sistêmica do contexto do paciente e dos processos saúde-doença envolvidos, buscando o equilíbrio e o bem-estar do indivíduo.
Terapias Integrativas e Complementares no Brasil
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil é referência mundial nas práticas integrativas e complementares. Foi em 2006, que as PICS (Práticas Integrativas e Complementares em Saúde) foram institucionalizadas no SUS através da Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares e, hoje, são encontradas em quase 54% dos municípios brasileiros.
Para o Ministério, as PICS são “recursos terapêuticos que buscam a prevenção de doenças e a recuperação da saúde, com ênfase na escuta acolhedora, no desenvolvimento do vínculo terapêutico e na integração do ser humano com o meio ambiente e a sociedade”.
Atualmente, o SUS oferece para a população brasileira 29 práticas integrativas, sendo as: Acupuntura/Medicina Tradicional Chinesa, Aromaterapia, Arteterapia, Ayurveda, Biodança, Bioenergética, Constelação Familiar, Cromoterapia, Dança Circular, Fitoterapia, Geoterapia, Hipnoterapia, Homeopatia, Imposição de mãos, Medicina Antroposófica/antroposofia aplicada à saúde, Meditação, Musicoterapia, Osteopatia, Ozonioterapia, Quiropraxia, Reflexoterapia, Reiki, Terapia Comunitária Integrativa, Terapia de Florais, Termalismo social/crenoterapia e Yoga.
As PICS no mundo
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que todos os seus Estados membros formulem políticas de integração dos sistemas de Medicina Convencional e da Medicina Integrativa em suas redes públicas.
De acordo com dados do site Medscape, em 1999, 25 dos 194 Estados Membros da OMS possuíam uma política de regulamentação sobre as práticas integrativas e complementares e 45 Estados Membros já tinham uma legislação nacional que tratava do assunto. Já no último ano, em 2021, já eram 98 países que estabeleceram uma política nacional.
O aumento da prática dos tratamentos complementares e a demanda cada vez maior por parte da população podem ser percebidos também devido ao crescimento exponencial de estudos acadêmicos e científicos relacionados ao tema. Em uma pesquisa rápida no site PubMed, plataforma que conta com artigos da área médica, surgem quase 60.500 resultados quando o termo “integrative medicine” é procurado.
Uma pesquisa realizada pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas/OMS), em parceria com o ObservaPICS/Fiocruz, a Rede MTCI Américas e o Centro Latino-Americano e do Caribe de Informação em Ciências da Saúde (Bireme/BVS), iniciada em 2021, aponta também que informações sobre as PICS constam em sites institucionais de pelo menos 10 de 36 países do continente americano, como Brasil, Bolívia, Colômbia, Cuba, EUA, Haiti, México, Nicarágua, Paraguai, Uruguai e Venezuela.
Segundo o artigo “Panorama mundial da educação médica em terapêuticas não convencionais”, um levantamento realizado em 1990 apontou que 34% da população norte-americana adulta utilizava alguma prática da Medicina Integrativa, ou, como é chamado na pesquisa, “complementary and alternative medicine” (medicina complementar e alternativa em tradução livre). Em 1997, a mesma pesquisa apontou um aumento na procura das práticas, chegando a 42% da população. Um novo levantamento, em 2002, apontou que o uso das práticas integrativas e complementares permanecia constante, estimando que 72 milhões de norte-americanos adultos faziam uso de duas ou mais modalidades. Realizada também na Europa, a pesquisa mostrou que 46% da população alemã fazia uso das práticas integrativas, assim como 49% da população francesa.
Algumas pesquisas realizadas em outros países confirmaram também o uso de práticas da MI por grande parte da população – mais de 50% – em diversos transtornos e doenças, como a Alemanha (tratamento complementar de oncologia e epilepsia), Canadá (pediatria neurológica), Arábia Saudita (dermatologia), Sérvia (oncologia), Austrália (oncologia) e Taiwan (traumatismos cranianos), por exemplo.
Este progressivo aumento da demanda pelas PICS está diretamente associado à insatisfação dos pacientes com a medicina convencional, que buscam por uma compreensão integral de si mesmos e de tratamentos que o percebam como um indivíduo único e complexo. Além disso, evitar danos colaterais de remédios utilizados pela medicina convencional, assim como uma relação mais profunda e de confiança entre paciente e médico também são questões, muitas vezes, colocadas por quem busca a Medicina Integrativa.
Aos profissionais de saúde é de extrema importância a capacitação profissional para obter conhecimento qualificado sobre as diversas práticas inseridas na saúde integrativa e embasamento para propor os tratamentos adequados a cada paciente.