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Depressão e terapeutica complementar

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Intervenções Complementares para melhora da cognição em distúrbios depressivos em idosos

Transtornos depressivos, devido à sua prevalência, carga funcional e complicações, são condições que têm um impacto social substancial. Estima-se que, no mundo, cerca de 300 milhões de pessoas apresentem depressão (Perini et al., 2019). A depressão é um dos transtornos psiquiátricos mais prevalentes, com cerca de 25% das mulheres e 12% dos homens apresentando, pelo menos, um episódio depressivo durante a vida (Haller et al., 2019).

 Entre os sintomas mais relatados por pacientes com depressão, encontram-se os distúrbios cognitivos, que incluem déficits em diversos domínios: atenção, funções executivas, memória e velocidade de processamento de informações (Perini et al., 2019).

A neurodegeneração ocorre no sistema nervoso central (SNC), como resultado de uma lesão ou condição deletéria, evoluindo para uma morte neuronal progressiva e perda de funções cognitivas e motoras associadas ao SNC (Morales et al., 2019).

As causas que desencadeiam essa morte neuronal ainda não são totalmente conhecidas, mas evidências clínicas demonstram que a idade é um importante fator de risco (Morales et al., 2019). No entanto, a demência não é uma consequência natural ou inevitável do envelhecimento. Outras condições clínicas, neste caso processos patológicos, têm sido associadas a um risco aumentado de comprometimento cognitivo/demência, incluindo depressão, hipertensão, diabetes, hipercolesterolemia, obesidade (Carrera-González et al., 2022), alterações cardiovasculares e lesão cerebral traumática (Furman et al., 2019).

Os transtornos depressivos cognitivos, também chamados pseudodementia (termo fundado por Kiloh no ano de 1961), são definidos como o comprometimento cognitivo e funcional imitando distúrbios neurodegenerativos causados aos sintomas neuropsiquiátricos (Sekhon e Marwaha, 2022). A prática clínica atual tem dado maior atenção a esses transtornos, pois tem sido constatado que os sintomas cognitivos associados à depressão persistem, como sintomas residuais (além dos sintomas de humor), e em alguns casos se transformam em uma verdadeira demência neurocognitiva ao longo do tempo (Sekhon e Marwaha, 2022).

 Essas distorções cognitivas afetam consideravelmente o indivíduo e aumentam o risco de recidiva de um transtorno depressivo nos pacientes. Esses transtornos tendem a persistir mesmo durante a remissão de sintomas depressivos: em termos de prevalência, os problemas cognitivos em indivíduos afetados por Distúrbios Depressivos Maiores têm sido relatados como “presentes de 85 a 94% do tempo durante episódios depressivos e 39-44% do tempo durante as remissões” (Perini et al., 2019).

A ocorrência de transtornos depressivos está correlacionada com um risco aumentado e age como um forte preditor do desenvolvimento de demência em idosos (Hezer et al., 2016). A presença de distúrbios cognitivos em pacientes com depressão, incluindo aqueles com histórico de transtornos de humor ao longo da vida, quase sempre indica um processo de demência incipiente e deve levar o especialista a iniciar um exame diagnóstico e terapêutico adequado para demência (Hezer et al., 2016). É sabido, com base em observações e evidências científicas, que os transtornos cognitivos são uma característica central do quadro clínico da depressão e não devem ser considerados efeitos secundários (Perini et al., 2019).

Surgiram evidências nos últimos anos de que a causa básica da depressão reside em disfunções não apenas dos conhecidos sistemas neurotransmissores aminérgicos, mas também de outros circuitos, como os glutamatérgicos (Ruiz et al., 2018).  Da mesma forma, o papel de outros mecanismos patogenéticos, como a perda de plasticidade sináptica em áreas envolvidas na regulação da emoção e do afeto, retroinibição da síntese de serotonina por cortisol, citocina inflamatórias e mecanismos excitotóxicos e apoptóticos têm sido apontados (Ruiz et al., 2018). Isso tem levado a um crescente interesse por novas moléculas capazes de interferir com esses sistemas e mecanismos, conhecidos por estarem envolvidos em processos cognitivos (Perini et al., 2019). No entanto, os medicamentos antidepressivos atualmente disponíveis nunca mostraram ter qualquer eficácia sobre distúrbios cognitivos.

Nos últimos anos, a vortioxetina emergiu como um agente capaz de atuar no sistema serotonérgico através de um mecanismo peculiar de ação, completamente diferente daqueles que caracterizam as opções terapêuticas previamente disponíveis (Perini et al., 2019).  Tendo sido mostrado, tanto em diversos modelos animais quanto em ensaios clínicos, para melhorar o desempenho cognitivo e até o momento, continua sendo o único antidepressivo ao qual isso se aplica (Perini et al., 2019).

Os tratamentos mais utilizados para a depressão são antidepressivos, psicoterapia ou uma combinação de drogas e psicoterapia. Embora ambas as estratégias de tratamento (isoladas e combinadas) tenham se mostrado eficazes, meta-análises mais recentes também encontraram altas taxas de abandono e baixas taxas de remissão, bem como diferenças clinicamente significativas entre medicamentos antidepressivos e placebos apenas para pacientes na extremidade superior da categoria com sintomas depressivos mais severos. Assim, isso pode levar os pacientes a procurar alternativas terapêuticas (Haller et al., 2019).

O aumento pela procura de terapias complementares e alternativas para transtornos afetivos (Haller et al., 2019) vem de encontro com a aplicação da Medicina Integrativa, que combina abordagens médicas convencionais com terapias complementares (Medicina Tradicional, Não-convencional e Práticas de Saúde e Bem-estar) baseadas em evidências para promover o bem-estar do paciente (Luberto, 2013). A medicina integrativa é centrada no paciente e personalizada, abordando todos os fatores físicos, emocionais, psicológicos, sociais, espirituais e ambientais que influenciam o estado único de saúde dos pacientes, buscando a integração dos tratamentos que melhor se adequem às necessidades do indivíduo (Luberto, 2013). Um conjunto crescente de evidências apoia o uso da Medicina Integrativa para muitas condições crônicas, incluindo a depressão.

Em 2013, Luberto e equipe verificaram em revisão sistemática da literatura que a evidência mais forte para a utilização de intervenções complementares eram aquelas baseadas em meditação mindfulness e Fitoterapia, utilizando a Erva de São João, além evidências relativamente fortes para apoiar o uso de ácidos graxos ômega-3 e exercício físico.

Haller e colaboradores em 2019 publicaram uma revisão sistemática sobre quais terapias eram mais eficazes quando aplicadas de forma complementar à terapêutica convencional. Os autores verificaram que em pacientes com depressão leve a moderada, evidências de qualidade moderada sugeriram a eficácia da Fitoterapia, utilizando a Erva de São João em relação aos placebos e aos antidepressivos padrão para o tratamento de depressão com taxas de resposta próximas e menos eventos adversos.

Em pacientes com depressão grave recorrente, evidências de qualidade moderada mostraram que a terapia cognitiva baseada em mindfulness era superior ao tratamento medicamentoso antidepressivo padrão para a prevenção da recaída da depressão. Outras evidências foram consideradas como tendo baixa ou muito baixa qualidade para que fossem levadas em consideração.

Uma gama crescente de evidências tem demonstrado benefícios de várias terapias na população idosa em complemento ao tratamento convencional para distúrbios cognitivos relacionados à depressão. Especialmente as terapias mente-corpo como meditação, yoga, tai chi e qigong, são abordagens minimamente invasivas e econômicas para o gerenciamento do estresse, alterações de humor e distúrbios cognitivos (Nguyen et al., 2020). Em contraste com as abordagens farmacológicas, estas terapias visam ensinar aos pacientes habilidades ao longo da vida que podem continuar a conferir benefícios muito depois do término do tratamento convencional (Nguyen et al., 2020).

Evidências existentes sugerem que, em média, tanto o movimento meditativo (por exemplo, yoga) quanto intervenções multicomponentes baseadas em mindfulness (por exemplo, terapia cognitiva baseada em mindfulness e prevenção de recaídas baseadas em mindfulness) podem ser tão eficazes quanto outros tratamentos ativos para transtornos como depressão grave e ansiedade (Nguyen et al., 2020). Como terapias que apresentam uma perspectiva favorável quando aplicadas para tratamento complementar em depressão e declínio cognitivo na terceira idade pode-se citar ainda dança e terapia de movimento, terapias de expressão (pintura, escultura), Ayurveda e biofeedback (Lavretsky, 2009).

Cada tratamento dentro da Medicina Integrativa deve ser avaliado e aplicado de forma a complementar os tratamentos bem estabelecidos de acordo com as evidências atuais.  Para as alterações cognitivas que acompanham os distúrbios depressivos, a combinação do tratamento convencional com terapias complementares é uma opção que tem se mostrado promissora, promovendo aderência ao tratamento conforme exemplos descritos anteriormente nesta narrativa.

Dentro do escopo de práticas multidisciplinares, diversas áreas de intervenção podem ser aplicadas: dieta e nutrição, estilo de vida e meio ambiente, psicologia e habilidades de enfrentamento, sociais e espirituais, médicas e físicas, que podem influenciar o bem-estar mental (Lopresti, 2020).  Parte-se do princípio de que a aplicação de múltiplas pequenas mudanças pode ter grandes efeitos terapêuticos (Lopresti, 2020), o que na depressão e distúrbios cognitivos relacionados trazem, no mínimo, uma melhor qualidade de vida aos pacientes.

Referências:

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